
O juiz Gabriel Araújo Gonzalez, da 1ª Vara da Comarca de Cachoeira Paulista, rejeitou o pedido do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para afastar membros da comunidade católica Canção Nova da Fundação João Paulo II, responsável por gerenciar as atividades da TV e de desenvolvimento social realizado pelos fiéis do movimento.
Em decisão desta terça-feira (4), o juiz determinou ainda uma audiência de conciliação para 25 de março entre o MP-SP e diretores da Fundação para tentar resolver amigavelmente outros pontos elencados na ação.
Em ação civil pública movida em janeiro, o MP-SP pediu mudanças no estatuto da Fundação (com patrimônio da ordem de R$ 270 milhões), a retirada de membros da Canção Nova da diretoria, a inclusão de Luzia Santiago (uma das fundadoras da instituição com o padre Jonas Abib) para o cargo de membro vitalício da entidade e a gestão dos recursos por alguma organização independente. Como justificativa para o pedido, o órgão argumentou que haveria um repasse permissivo de verbas entre a Fundação João Paulo II e a Canção Nova, além de casos de assédio moral não resolvidos pelas entidades, entre outras irregularidades.
O juiz negou a retirada de membros da Canção Nova e a tese de interferência indevida entre as entidades, lembrando que a Fundação foi criada especificamente para gerenciar os recursos e o patrimônio das atividades católicas da Canção Nova, como está descrito no estatuto. Portanto, a alegação de que haveria o repasse indevido de recursos da Fundação para a Comunidade Canção Nova, como argumenta o MP-SP, não teria sentido.
"Essa peculiaridade [Fundação criada para gerir recursos da Canção Nova] é importante para a análise do caso concreto: não se trata de uma fundação privada que, a partir de manobras estatutárias ou fatos não previstos, viu-se sob a influência de outra instituição. Na realidade, o caso é de uma fundação pensada para uma atuação separada, mas em estreita ligação com a Comunidade (ambas tidas como instrumentos para a evangelização eatuação social), inclusive com apoio financeiro, estrutural e de mão de obra”, afimou na decisão.
O juiz recordou ainda que a legislação só preve o afastamento de diretores de uma fundação em caso de faltas graves que “coloquem em risco o futuro fundacional e o alcance dos seus objetivos, não bastando a mera discordância sobre as deliberações tomadas”. Para o magistrado, o MP-SP não conseguiu provar que esse fosse o caso da Fundação João Paulo II.
Assédio moral e acusação de repasse indevido à Canção Nova
No documento, o juiz afirmou ainda que denúncias de supostos casos de assédio moral na Fundação João Paulo II, citados pelo MP-SP, deveriam ser investigados pela Justiça do Trabalho e não justificariam uma intervenção ou mudanças no estatuto.
Sobre repasses indevidos à Canção Nova, os depoimentos arrolados na decisão mostraram que os recursos enviados pela Fundação à comunidade são devolvidos por meio de trabalhos gratuitos, realizados por voluntários. Em 2019, o valor mínimo representado por esses serviços seria de mais de R$ 1 milhão por ano.
“Os depoimentos indicam que, em 2019, os técnicos fizeram uma avaliação financeira dos benefícios obtidos pela parceria entre (1) FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II e Comunidade Canção Nova (trabalho voluntário, comodatos etc.) e apuraram equilíbrio (rigorosamente, até leve benefício para a fundação). Assim, no presente momento, não há elementos para se concluir que, durante a gestão do atual Conselho Deliberativo, a relação financeira entre a (1) FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II e a Comunidade Canção Nova se tornou mais nociva à fundação, de maneira a colocar em risco o alcance das suas finalidades”, escreveu na decisão.
Juiz concordou com a tese de pressão da Comunidade Canção Nova sobre a Fundação João Paulo II
Na decisão, após ouvir testemunhas das entidades, o juiz menciona que concorda com a premissa do MP-SP de que haveria pressão de membros da Canção Nova sobre a Fundação João Paulo II em relação a casos em investigação de assédio moral e de recusa de afastamento de colaboradores que tangenciariam o direito canônico. Esse ponto será um dos temas a serem tratados na audiência de conciliação.
Por outro lado, o magistrado não aprova as consequências sugeridas pelo MP-SP. “A partir de problemas pontuais na condução de suposto caso de assédio moral (premissa com a qual concordo), chegou-se à conclusão de que há um grave problema estrutural na administração que põe em risco as finalidades da (1) FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II (conclusão com a qual discordo)”, escreveu.
Procurado, o MP-SP disse que irá recorrer.
A Canção Nova e a Fundação João Paulo II preferem não comentar a decisão específica desta terça-feira. Sobre os supostos casos de assédio moral, as entidades esclarecem que o Conselho Deliberativo da Fundação João Paulo II recebeu quatro recursos administrativos que foram encaminhados para análise técnica jurídica independente. O objetivo é ouvir todos os lados dando aos acusados o pleno direito de defesa e contraditório e do devido processo legal.